A Teoria Microbiana das Doenças, culminar de diversas observações por parte de eminentes cientistas e médicos tais como Fracastoro, van Leeuwenhoek, Andry, Bradley e corroborada por Snow, Pasteur e Koch, é a teoria fundamental que atribui a transmissão de doenças com microorganismos patogénicos. Foi este um passo essencial para a Ciência e em especial para a Medicina, facultando o apare- cimento de especialidades tais como Infecciologia, Epidemiologia, Saúde Publica e, mais recentemente, Imunologia.
Prioritária, a necessidade de controlar e prevenir epidemias e pandemias permitiu o desvendar dos meios de transmissão dos patogénicos, quer através do ar, da água ou dos utensílios do quotidiano.
Identificados que foram os responsáveis biológicos pelas infecções, assim como os meios e vectores de propagação, rapidamente surgiram as primeiras medidas de controlo de infecções, devidamente actualizadas ao longo dos tempos, acompanhando o desenvolvimento científico.
A lógica por detrás destas medidas é simples: conhecendo as formas de propagação e condições óptimas de crescimento e dos microorganismos, interferindo em qualquer um destes pontos, poder-se-á evitar a proliferação e/ou disseminação do agente patogénico. A título de exemplo, uma das medidas mais simples e eficazes de controlo de infecção (e tantas vezes negligenciada) é a simples lavagem das mãos. Com efeito, a divulgação e consciencialização das boas práticas higiénicas entre a população foi responsável por boa parte da diminuição dos índices de mortalidade e morbilidade no início do sec. XX.
O desenvolvimento científico que acompanhou a Revolução Industrial em meados do sec. XIX, especificamente na área da química, providenciou vários dos meios necessários ao controlo de infecção. O primeiro exemplo mais evidente foi a utilização de substâncias fenólicas, em 1870, pelo médico inglês Edward Jenner, como desinfectante utilizado no contexto do serviço de saúde. Outros desinfectantes químicos se seguiram, sendo actualmente utilizados soluções à base de glutaraldeído, formaldeído, ortoftaldeído, compostos de aminas quaternárias, substâncias com cloro e espécies reactivas de oxigénio – como, por ex. o peró- xido de hidrogénio. Algumas des- tas substâncias mostraram-se eficazes, inclusive, na inactivação e remoção de biofilmes – comunidades microbianas que criaram em seu redor um micro-ambiente proctetor contra condições adversas, composto por glicanos e glicoproteínas, conferindo propriedades de extrema resistência à sua eliminação – como é o caso dos compostos clorados, testados contra diversos géneros microbiológicos como Pseudomonas spp., E. coli., Neiseria spp., Salmonella spp., Candida albicans, Streptococcus aureus, entre outros. É de ressalvar, contudo, que ainda não está disponível nenhum produto aprovado oficialmente para a remoção eficaz e segura de biofilmes.
Não basta, contudo, eliminar os microorganismos celulares viáveis. A descoberta final do sec. XIX dos vírus por Ivanovski e Beijerinck e cerca de 100 anos depois, dos priões, adicionou ao mapa de agentes infecciosos uma panóplia de organismos não-celulares, na sua larga maioria, bastante resistentes aos meios de desinfecção. E ainda no campo bacteriológico, complementarmente à formação de biofilmes, quando sujeitos a condições ambientais adversas, as bactérias iniciam processos celulares complexos que levam à sua transformação em esporos ou quistos. Sob esta forma, as bactérias tornam-se mais resistentes a condições desfavoráveis à vida tais como calor elevado, radiação, stress hídrico ou ataque químico, possuindo a capacidade de retornar ao ciclo de vida regular após restabelecimento das condições ideais. Assim, os microorganismos esporulados são frequentemente resistentes a muitas das formas de descontaminação acima mencionadas, sendo necessário recorrer a métodos químicos ou físicos significativamente mais agressivos com vista à sua eliminação ou destruição. É neste contexto que surge a esterilização – processo que, quando aplicado após uma lavagem e desinfecção apropriadas, visa garantir a eliminação, com elevada probabilidade, de microorganismos viáveis (esporulados e regulares), vírus e priões.
Alguns dos agentes acima mencionados são também utilizados como agentes esterilizantes – tais como o óxido de etileno, o ácido peracético e, mais recentemente, o peróxido de hidrogénio. Contudo, a grande diferença entre desinfecção e esterilização, para que o objectivo desta ultima seja atingido, é a concentração do agente esterilizante, a sua concentração e do tempo de exposição. Assim, foi também de grande importância – derivando das observações de Pasteur – a descoberta que, em determinadas condições de temperatura e pressão, ao longo de um período de tempo, a água torna-se também um agente esterilizante. De facto, a descoberta e uso do vapor de água como esterilizante foi uma das primeiras e maiores ferramentas no controlo epidemiológico, sendo, ainda hoje, a forma de esterilização mais ubíqua e compatível com a grande maioria dos dispositivos médicos. Ao contrário dos agentes primeiramente mencionados, o vapor de água é um agente esterilizante essencialmente físico, tal como o calor seco (este, significativa- mente menos utilizado). Quando aplicados segundo as recomendações científicas das entidades de saúde, todos os esterilizantes atingem a sua maior eficácia microbicida e viricida.
O contínuo desenvolvimento científico na Medicina, nas Ciências da Vida e na Engenharia de Materiais e Biomédica leva à criação de no- vos materiais e dispositivos médicos cada vez mais complexos. Com eles, novos problemas (alguns mais complexos) do foro do reprocessamento surgirão continuamente para os quais novos meios físico-químicos de resposta no controlo de infecção deverão também ser encontrados. Sabe-se que os dispositivos médicos, segundo estudo recente, são responsáveis por cerca de 60–70% das infecções contraídas em ambiente hospitalar, em especial nos doentes em estado grave. Adicionalmente, ganha cada vez mais relevo o grave problema da resistência aos antibióticos, pelo que a velha máxima de “mais vale prevenir que remediar” assume uma importância renova- da e cada vez maior. Os serviços de esterilização, pretendendo-se apropriadamente equipados e constantemente actualizados sobre as mais recentes técnicas, estão na primeira linha da eliminação de agentes patogénicos e apresentam-se, assim, como ferramenta fundamental de Saúde Publica, sendo, desta forma, lógica e imperativamente necessário o investimento nesta área.
Autoria: Dr. Hélio Crespo